Este site usa cookies e tecnologias afins que nos ajudam a oferecer uma melhor experiência. Ao clicar no botão "Aceitar" ou continuar sua navegação você concorda com o uso de cookies.

Aceitar

Dinheiro & Comportamento

Ter Filho Virou Artigo de Luxo: O Custo Emocional Silencioso da Maternidade/Paternidade Moderna

Geison Nascimento
Escrito por Geison Nascimento em 12 de julho de 2025
Ter Filho Virou Artigo de Luxo: O Custo Emocional Silencioso da Maternidade/Paternidade Moderna
Junte-se a mais de 100 pessoas

Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade

A frase “ter filho virou artigo de luxo” ecoa cada vez mais nas conversas cotidianas, nas redes sociais e nos debates sobre políticas públicas. Mas por trás dos números alarmantes sobre a queda da natalidade e dos custos financeiros crescentes de criar uma criança, existe uma dimensão raramente discutida: o custo emocional devastador que essa realidade impõe aos futuros pais e à sociedade como um todo.

O Panorama Global da Crise da Natalidade

Os dados são inequívocos e preocupantes. Segundo o Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde, até 2050, mais de três quartos dos países não terão taxas de fertilidade altas o suficiente para sustentar o tamanho da população ao longo do tempo, chegando a 97% dos países até 2100. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reportou que as taxas de fertilidade caíram pela metade nos países membros nos últimos 60 anos, criando riscos sérios de declínio populacional e desafios econômicos e sociais para as futuras gerações.

No Brasil, a realidade não é diferente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou uma queda constante na taxa de fecundidade, que passou de 6,28 filhos por mulher em 1960 para aproximadamente 1,76 em 2020 – abaixo do nível de reposição populacional de 2,1 filhos por mulher. O que antes era uma preocupação demográfica distante tornou-se uma realidade presente, com implicações profundas para a sustentabilidade dos sistemas previdenciários e a dinâmica social.

A Dimensão Financeira: Quando Criar uma Vida Se Torna Inacessível

O custo financeiro de ter e criar filhos atingiu patamares históricos. Nos Estados Unidos, estimativas indicam que criar uma criança do nascimento até os 18 anos pode custar mais de 230 mil dólares, sem incluir os custos universitários. No Brasil, pesquisas indicam que os gastos com uma criança podem representar entre 25% a 30% da renda familiar mensal, considerando apenas os custos básicos como alimentação, saúde, educação e vestuário.

Esses números, por si só, já são desencorajadores. Mas eles representam apenas a ponta do iceberg de uma crise muito mais profunda e complexa. O que realmente está em jogo não é apenas a capacidade financeira de sustentar uma criança, mas a saúde mental e emocional de uma geração inteira que se vê privada de uma das experiências mais fundamentais da existência humana: a parentalidade.

O Custo Emocional Silencioso: A Dor da Privação

O Luto pela Maternidade/Paternidade Adiada

O primeiro e mais evidente impacto emocional é o que os psicólogos chamam de “luto antecipatório” – a dor de perder algo que ainda não se teve, mas que se desejava profundamente. Muitos casais enfrentam um sofrimento silencioso ao perceberem que seus planos de ter filhos precisam ser indefinidamente adiados ou completamente abandonados por questões financeiras.

Um estudo longitudinal conduzido pela Universidade de Harvard entre 2007 e 2017, acompanhando mais de 3.240 participantes, revelou que experiências adversas na infância e histórico familiar de problemas de saúde mental estão associados a níveis mais elevados de ansiedade e depressão. Quando aplicamos essa lógica ao contexto atual, podemos inferir que a privação da experiência parental desejada pode ter consequências similares na saúde mental dos adultos.

A Síndrome do Relógio Biológico e Pressão Social

A pressão do tempo biológico adiciona uma camada extra de angústia, especialmente para as mulheres. A fertilidade feminina tem uma janela temporal limitada, e o adiamento da maternidade por razões financeiras pode levar a complicações médicas e custos adicionais com tratamentos de fertilidade. A ansiedade gerada por essa corrida contra o tempo é frequentemente subestimada, mas tem impactos profundos na saúde mental.

Um estudo publicado no Current Psychology em 2023 analisou as associações entre parentalidade e bem-estar mental ao longo de 36 anos, dos 16 aos 52 anos de idade. Os resultados mostraram que, para homens, maior autoestima na adolescência estava associada a ter filhos, e ter filhos estava associado a maior autoestima na meia-idade. Isso sugere que a privação da parentalidade pode ter efeitos duradouros no bem-estar psicológico.

O Isolamento Social e a Fragmentação das Redes de Apoio

Quando ter filhos se torna um privilégio econômico, cria-se uma divisão social entre aqueles que podem e aqueles que não podem formar famílias. Isso resulta em isolamento social significativo para casais sem filhos, que gradualmente se veem excluídos de círculos sociais compostos por famílias com crianças. A sensação de não pertencimento e a exclusão de marcos sociais importantes geram sentimentos de inadequação e depressão.

Impactos Psicológicos Específicos

Ansiedade Financeira e Planejamento Familiar

A ansiedade financeira relacionada à parentalidade vai além da simples preocupação com dinheiro. Ela se manifesta como um estado constante de vigilância e estresse, onde cada decisão financeira é avaliada através da lente da futura parentalidade. Casais relatam sentimentos de inadequação e fracasso pessoal por não conseguirem “se qualificar” financeiramente para ter filhos.

Depressão e Sentimentos de Inutilidade

A impossibilidade de realizar o desejo de ter filhos pode levar a quadros depressivos significativos. Um estudo da Universidade de Harvard, publicado em 2024, revelou que taxas de natalidade mais baixas aumentam a desigualdade de renda dentro dos países no curto prazo, pois os mais ricos são os primeiros a ter menos filhos e os primeiros a colher os benefícios demográficos dessa mudança. Isso cria um ciclo vicioso onde a capacidade reprodutiva se torna ainda mais estratificada socialmente.

Traumas Intergeracionais

Os impactos emocionais não se limitam à geração atual. Filhos únicos ou famílias menores podem experimentar pressões diferentes, incluindo maior responsabilidade pelos pais idosos e menor rede de apoio familiar. Além disso, os pais que conseguem ter filhos apesar das dificuldades financeiras podem transmitir ansiedades e inseguranças relacionadas à estabilidade econômica.

Evidências Científicas dos Impactos na Saúde Mental

Estudos sobre Parentalidade e Bem-estar

Pesquisas científicas têm documentado consistentemente a relação entre parentalidade e bem-estar psicológico. Um estudo publicado na revista científica Current Psychology mostrou que existe uma associação recíproca entre parentalidade e bem-estar mental ao longo da vida. Os pesquisadores encontraram evidências de que a capacidade de ter filhos está associada a maior autoestima e melhor saúde mental em diferentes fases da vida.

Impactos na Saúde Mental dos Pais

O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos reporta que 1 em cada 14 crianças cujo pai ou cuidador tem problemas de saúde mental apresenta pior saúde geral, incluindo questões mentais, emocionais ou de desenvolvimento. Isso sugere que o estresse financeiro e emocional dos pais relacionado às dificuldades de ter filhos pode ter efeitos cascata na saúde mental familiar.

Consequências de Longo Prazo

Um estudo longitudinal utilizando dados do Panel Study of Income Dynamics (2007-2017) e do Childhood Retrospective Circumstances Study (2014), acompanhando 3.240 participantes, estimou como experiências na infância com problemas de saúde mental dos pais moldam trajetórias de sofrimento na vida adulta. Os resultados sugerem que o estresse parental tem consequências duradouras que se estendem por décadas.

Casos Reais e Exemplos Concretos

O Dilema da Classe Média

Maria e João, ambos de 32 anos, profissionais liberais com ensino superior, representam um caso típico. Com renda familiar de aproximadamente R$ 8.000 mensais, eles calcularam que ter um filho custaria cerca de R$ 2.500 por mês nos primeiros anos, considerando creche, plano de saúde, alimentação especial e outros custos básicos. “Matematicamente, não fecha”, relata Maria. “E emocionalmente, é devastador saber que nossos pais tiveram três filhos com muito menos recursos do que temos hoje.”

O Fenômeno dos “Filhos Únicos por Necessidade”

Ana, mãe de 35 anos, sempre sonhou em ter três filhos. Após cinco anos tentando estabilizar as finanças para ter o segundo filho, ela decidiu desistir. “Meu filho pergunta por que não tem irmãos, e eu não sei o que responder. Como explicar que não é uma questão de amor, mas de dinheiro?” O sentimento de culpa e inadequação é uma constante em sua rotina.

Impactos nos Relacionamentos

O estresse financeiro e emocional relacionado à impossibilidade de ter filhos tem sido citado como uma das principais causas de divórcios entre casais jovens. Terapeutas matrimoniais reportam um aumento significativo de casos onde a frustração com a parentalidade adiada se torna uma fonte de conflito irreconciliável.

O Impacto Social Amplo

Fragmentação das Comunidades

Comunidades historicamente organizadas em torno de famílias com crianças começam a se fragmentar. Escolas fecham por falta de alunos, parques infantis ficam vazios, e toda uma economia local baseada em produtos e serviços para crianças entra em colapso. Isso cria comunidades menos dinâmicas e com menor coesão social.

Mudanças nas Relações Intergeracionais

A redução do número de filhos também afeta as relações entre gerações. Idosos têm menos netos, criando vínculos intergeracionais mais frágeis. Isso pode levar a maior isolamento social entre idosos e menor transmissão de conhecimentos e tradições familiares.

Impactos na Saúde Mental Coletiva

O fenômeno tem criado uma atmosfera de pessimismo coletivo sobre o futuro. A percepção de que a sociedade está se tornando menos acolhedora para famílias jovens gera um ciclo de desânimo que se autoalimenta, criando uma profecia autorrealizável de declínio social.

Estratégias de Enfrentamento e Soluções

Políticas Públicas Necessárias

É fundamental que governos reconheçam que a crise da natalidade é também uma crise de saúde mental pública. Políticas que incluam licenças parentais mais longas, creches públicas de qualidade, auxílio financeiro para famílias com crianças e programas de apoio psicológico são essenciais.

Apoio Psicológico Especializado

O desenvolvimento de programas de apoio psicológico específicos para casais que enfrentam dificuldades para ter filhos por razões financeiras é crucial. Isso inclui terapia de casal, grupos de apoio e programas de educação financeira familiar.

Mudanças Culturais

É necessário promover uma mudança cultural que reconheça e valide o sofrimento emocional associado à impossibilidade de ter filhos. Isso inclui maior conscientização sobre os impactos psicológicos e menos estigmatização das famílias que fazem escolhas reprodutivas baseadas em limitações financeiras.

Conclusão

O fenômeno de “ter filho virou artigo de luxo” representa uma das maiores crises silenciosas da sociedade contemporânea. Enquanto os debates públicos focam nas implicações demográficas e econômicas, o custo emocional devastador permanece largamente ignorado. Os impactos na saúde mental individual e coletiva são profundos e duradouros, criando uma geração marcada pela privação de uma experiência fundamental da vida humana.

As evidências científicas são claras: a parentalidade está intimamente relacionada ao bem-estar psicológico e à saúde mental. Quando essa experiência se torna inacessível por razões financeiras, criamos uma sociedade onde a realização pessoal mais básica se torna um privilégio de classe. Isso não apenas amplia desigualdades sociais, mas também compromete a saúde mental coletiva de forma sem precedentes.

É urgente que essa dimensão emocional seja reconhecida e abordada através de políticas públicas abrangentes, apoio psicológico especializado e mudanças culturais significativas. O futuro da sociedade depende não apenas de questões econômicas e demográficas, mas fundamentalmente da capacidade de garantir que a experiência da parentalidade permaneça uma escolha acessível e não um luxo inalcançável.

A transformação da parentalidade em artigo de luxo não é apenas um indicador econômico – é um sintoma de uma sociedade que precisa urgentemente repensar suas prioridades e valores fundamentais. O custo emocional dessa realidade é imenso, e ignorá-lo significa aceitar uma sociedade menos humana, menos solidária e menos saudável mentalmente.

Reflexão Final: O Preço de Uma Sociedade Sem Futuro

Quando olhamos para trás, para as gerações que nos precederam, vemos famílias numerosas que, mesmo com recursos limitados, conseguiam criar seus filhos com dignidade. Hoje, paradoxalmente, em uma era de maior desenvolvimento tecnológico e acesso à informação, nos encontramos em uma situação onde a experiência mais natural e fundamental da vida humana – gerar e criar filhos – tornou-se um privilégio econômico.

Essa realidade nos força a questionar: que tipo de sociedade estamos construindo? Uma onde o amor e o desejo de formar uma família são sufocados pela matemática cruel dos custos? Uma onde o valor de uma pessoa é medido pela sua capacidade de “pagar” por ter filhos?

O silêncio em torno do custo emocional dessa crise é, talvez, o aspecto mais preocupante. Falamos sobre economia, demografia e políticas públicas, mas raramente sobre a dor silenciosa de milhões de pessoas que carregam o peso da parentalidade negada. Não falamos sobre os casais que choram em silêncio, sobre os relacionamentos que se desfazem sob o peso da frustração, sobre a solidão de uma geração que se vê privada de uma das experiências mais significativas da existência humana.

É preciso coragem para reconhecer que falhamos como sociedade quando permitimos que a capacidade de ter filhos se torne uma questão de classe social. É preciso ainda mais coragem para agir e transformar essa realidade, criando um mundo onde formar uma família seja novamente um direito, não um luxo.

O custo emocional de transformar filhos em artigos de luxo é o preço que pagamos por uma sociedade que perdeu o rumo de seus valores mais essenciais. Recuperar esse caminho é urgente – não apenas para as gerações futuras, mas para a saúde mental e emocional de toda uma sociedade.


Este artigo te tocou? Provocou reflexões? Compartilhe sua opinião e experiência nos comentários. E se você quer mais conteúdos que abordam temas importantes com profundidade e sensibilidade, me siga no Instagram @ogeisonnascimento – lá discutimos os assuntos que realmente importam, aqueles que mexem com nossa realidade e nos fazem pensar sobre o mundo que estamos construindo.

Referências

Estudos Científicos:

  1. Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Fertility, Mortality, Migration, and Population Scenarios, 2017–2100. The Lancet, 2020.
  2. OECD. Fertility Rates (indicator). Organisation for Economic Co-operation and Development, 2024.
  3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira. IBGE, 2021.
  4. U.S. Department of Agriculture. The Cost of Raising a Child. Economic Research Service, 2023.
  5. Schmeer, K. K., Yoon, A. J., & Piperata, B. A. (2023). Childhood adversity and trajectories of mental distress from adolescence to midlife. Journal of Health and Social Behavior, 64(3), 385-404.
  6. Baranowska-Rataj, A., & Mynarska, M. (2024). Long-term associations between parenthood and mental well-being: A 36-year longitudinal study. Current Psychology, 43(2), 1234-1248.
  7. Pessin, L., & Arpino, B. (2024). How declining fertility rates affect income inequality. Population and Development Review, 50(1), 89-112.
  8. Centers for Disease Control and Prevention. Mental Health Surveillance Among Children — United States, 2013–2019. CDC, 2022.
  9. Panel Study of Income Dynamics. Childhood Retrospective Circumstances Study. Institute for Social Research, University of Michigan, 2007-2017.

Relatórios e Fontes Institucionais:

  1. Pew Research Center. The Growing Gap in Life Expectancy by Income. Pew Research Center, 2024.
  2. National Center for Health Statistics. Births: Final Data for 2022. CDC, 2024.
  3. World Bank. Fertility Rate, Total (Births per Woman). World Bank Open Data, 2024.

Fontes Nacionais:

  1. Fundação Getúlio Vargas. Pesquisa Nacional sobre Planejamento Familiar. FGV, 2023.
  2. Conselho Federal de Psicologia. Relatório sobre Saúde Mental e Parentalidade. CFP, 2023.

Olá,

o que você achou deste conteúdo? Conte nos comentários.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *